Falar quem vem antes, o ovo ou a galinha, é quase que perguntar o que vem antes: a venda ou a entrega de produto ou serviço?
Qual empreendedor nunca entrou na empresa e encontrou à frente de sua mesa o vendedor e o cara que entrega? Um tentando explicar que vendeu porque precisava bater sua meta e o outro explicando que não tem como entregar o que o vendedor vendeu. Ou até mesmo o vendedor reclamando que seus clientes não estão sendo bem atendidos no suporte, na implantação ou na entrega, e a operação dizendo que não tem time para atender. Vou confessar aqui que, em tempos passados, eu pensava que, se estamos tendo esses debates, às vezes de forma mais calorosa, estamos no caminho certo. Não vou mentir, às vezes eu até fomentava isso, do tipo: “O comercial diz que a operação consegue entregar 10 e você só entrega 7, sério mesmo?” Ou, ao contrário, quando a área comercial vendia muito e o operacional vinha me dizer que não dava conta, eu respondia: “Eles pagam nosso salário, bora dar um jeito.”
Graças ao bom Deus, os quarenta me fizeram muito bem. Morar fora do Brasil também contribuiu para eu não mudar de pensamento, mas evoluir. Continuo pensando que, se estamos discutindo sobre entregar mais, estamos de alguma forma evoluindo. Porém, hoje eu controlo outras alavancas importantes como: estamos vendendo mais? Como? A que preço? Com que esforço? Com qual margem? E o mais importante, o cliente reconhece valor na nossa entrega?
De alguma forma, uma chave mudou dentro de mim, me fazendo comemorar agora o GOLIVE, não mais somente o dinheiro na conta, pelo simples motivo de que, se eu recebi e não entreguei, tenho três saídas: devolver o dinheiro, a mais adequada; uma que nem passa pela nossa cabeça, mas já vi acontecer, inclusive comigo, que é ficar com o dinheiro do cliente o maior tempo possível; e uma mais difícil e cara ainda, que é tentar convencer o cliente a me dar uma segunda chance. Pensa: ele já pagou, quer a grana de volta e você precisa implorar, queimando o filme dizendo “agora serei mais competente”. O que eu tenho pregado para todos os empreendedores de nosso ecossistema e para os que estou como conselheiro consultivo é que, hoje, quem vence é quem tem a melhor jornada e não tem outra saída.
Depois do aparecimento do Google, onde você digita o que quer e ele traz para você; do Uber, onde você aperta um botão e o carro aparece na frente da sua casa; e do WhatsApp, que permite ter dados, vídeos e imagens em qualquer lugar do mundo, o cliente nunca mais vai querer fazer uma jornada que não se assemelhe a isso. Mas, Michel, como? Basta você olhar ao seu redor e ver que até uma conta no banco você faz sentado na sala de sua casa. O grande problema é que 95% dos empreendedores que conheço são muito críticos quando com o chapéu de consumidor, mas desatentos quando estão com o chapéu de prestador de serviço ou produto. Me lembro uma vez, em uma reunião de conselho que virou um almoço, o empresário com quem eu estava começando o trabalho de conselheiro consultivo estava com um problema gigante de reclamações no site Reclame Aqui. Mas, durante o almoço, deu vários feedbacks negativos no atendimento do restaurante pela demora, pela temperatura da comida, pelo preço e até pelo estacionamento. Como bom conselheiro e sempre comprometido em ajudar e trazer a realidade para aquele cliente, abri o site e fiz a seguinte pergunta: “Meu amigo, o que você faria se fosse dono deste restaurante?” Ele respondeu como se fosse um grande consultor: “Bom, eu não acho um negócio dos melhores ter um restaurante, mas se eu fosse dono, focaria em treinar a equipe de atendimento, ajustar as entregas para não atrasar, fazer um alinhamento entre salão e cozinha, comprar melhor para ter um preço mais adequado e, sem dúvida, pegar o feedback de todos os clientes.”
Ouvi atentamente e falei: “Você não precisa de mim.” Ele, surpreso com o que falei, retrucou: “Como não?” Mostrei todas as reclamações para ele e, pasmem, eram as mesmas que ele fazia daquele restaurante. Silêncio no carro até a volta para o escritório. Quando chegamos na empresa, ele falou: “Cara, eu sou muito arrogante. Os problemas estão aqui e eu não vi.” Tranquilizei-o perguntando se sabia por que eu estava dando conselhos a ele, e ele respondeu que não. Expliquei: “Porque eu já fui assim e aprendi perdendo muitos clientes e dinheiro, e aprendi a corrigir isso. Entendi que preciso ser um cliente exigente, mas um empresário melhor também.”
Empresas que estão crescendo hoje agem como um bloco; a entrega é venda, uma boa entrega é dizer para a área de vendas: “Pode ligar pra ele e vender de novo.” Uma boa entrega gera indicação, uma boa entrega gera felicidade. Não importa onde você está, se no digital ou no físico, uma boa entrega ganha o jogo, porque nunca foi tão fácil comprar, mas ganha o jogo quem entrega, quem cumpre a jornada.
Talvez um dos maiores problemas dos empreendedores esteja em focar em resolver os seus problemas e não o problema do cliente. Já vi empreendedores gastarem milhares de reais para ajustar processo interno, mas continuar com o processo de encontro do cliente totalmente ineficiente, pelo motivo de quererem resolver o barulho interno, o que eles conseguem ver no dia a dia, mas o barulho silencioso do cliente é o que deveria ser o mais importante de se resolver.
Porque em um silêncio barulhento ele leva o dinheiro dele para onde quiser, e você só vai perceber quando faltar no seu caixa. Mas, Michel, entendi a ‘michelada’ (termo usado internamente e carinhosamente para feedback da turma), mas o que fazer? Não é simples, não é fácil, mas é necessário: foque na jornada e, quando falo a jornada, digo 360 graus. Qual a jornada do comercial desde que ele chega na empresa até ele sair, da operação, marketing e financeira, idem, e todas elas conectadas diretamente na jornada do cliente, porque se é fácil comprar, tem que ser fácil receber; caso contrário, temos um problema aí.
Quando falamos que o empreendedor precisa ser estratégico, quero dizer que ele precisa gastar 50% do seu tempo criando e checando as jornadas 360, 20% do tempo checando se estas jornadas são realmente eficientes e 30% do tempo deixando a turma ser criativa usando as esteiras de negócio que ele criou. O maior erro é deixar tudo na mão da turma e só se lembrar que precisa ser empreendedor quando o problema acontece.
Se eu pudesse terminar com um conselho para todos os empreendedores, principalmente os pequenos e médios que podem vencer o jogo se tiverem jornadas mais incríveis, seria: ou você muda a vida do cliente com sua jornada incrível, ou ele muda de jornada para onde quiser.